domingo, 29 de agosto de 2010

Memórias da Democracia em Cabo Verde

Memórias da Democracia em Cabo Verde




jacinto Santos e Carlos Veiga
                                                 
                                                           






O final da década de 80 e o início dos anos 90 do século XX foram marcados por grandes transformações políticas que se traduziram em processos de transição de regimes autoritários para regimes democráticos.

Cabo Verde não fugiu a regra, embora com características próprias. Mesmo dentro do Paicv, o Dr. Renato Cardoso deu sinais claros de levar o País a uma mudança de mentalidade política o que lhe veio a custar a própria VIDA.

Já em 1989, a vontade política em libertar-se das alçadas do PAICV era tão grande no seio das populações, que havia uma grande generosidade cívica, por parte de grupos de pessoas que, de uma forma isolada, às vezes em pequenos grupos, vinham reflectindo sobre a necessidade de se fazer acção política sem medo de serem presos ou mortos.

O Paicv sentido forçado em desacorrentar a sociedade Cabo-verdiana, os residentes no País, pois, os residentes na diáspora já tinham sido escorraçados como cães selvagens, tentou criar uma abertura à sociedade civil, que foi chumbada no seu Congresso de 1988.

Nos finais de 1989, sentindo a pressão de mudança de forma irreversível, o PAICV, anunciou as eleições autárquicas, em que grupos de cidadão poderiam concorrer.

Mas, vendo a forma determinada como o núcleo do Movimento Popular encabeçada por Jacinto Santos, Carlos Veiga e outros elementos, vinham movimentando no terreno, praticamente desistiu dessas eleições.

No entanto, com a influência e pressão da comunidade internacional, o Governo anunciou a abertura democrática, a 19 de Fevereiro de 1990.

Este anúncio levou com que o Movimento Político, crescesse e catapultasse para uma dinâmica diferente.

É assim que depois de vários encontros, no dia 14 de Março de 1990, na Escola do Bairro de Brasil, em Achada Santo António, os elementos presentes, Carlos Alberto Wahnon de Carvalho Veiga; Daniel Pedro Amadeu dos Santos; Élvio Gonçalves Napoleão Fernandes; Arnaldo Pereira Silva; António do Espírito Santo Fonseca; Alfredo Gonçalves Teixeira; António Carlos Gomes; Artur Jorge Correia; José Manuel Pinto Monteiro; Jacinto Abreu dos Santos; Mário Gomes Fernandes; Péricles Africano Évora Barros; José António Mendes dos Reis; Eduíno Carvalho Moniz; Francisco dos Reis Pinto; Luís Araújo; José Manuel Almeida e Fernando Luís Évora Santos, assinaram uma declaração política, escrita por Jacinto Santos, criando o MOVIMENTO PARA A DEMOCRACIA.

Com efeito, a abertura política, anunciada a 19 de Fevereiro de 1990, no salão nobre da ANP, em conferência de imprensa do então primeiro-ministro Pedro Pires, apanhara de surpresa e colocara em estado de desorientação política uma parte significativa das bases militantes do partido único, que, aliás, no decorrer do seu congresso de 1988, desperdiçara a oportunidade histórica de se manter na ofensiva política ao recusar a mudança ou, pelo menos, a reforma do sistema político e o reconhecimento do papel político da sociedade civil cabo-verdiana. Prenúncio da desorientação das bases e da falta de rumo das cúpulas partidárias do PAICV foram os ludos à volta da escolha dos candidatos do mesmo partido para as eleições que se avizinhavam.
Com efeito, tendo renunciado ao cargo de líder do PAICV para, alegadamente, conduzir, com a necessária isenção político-partidária, o processo de transição democrática, Aristides Pereira surpreendeu tudo e todos quando decidiu recandidatar-se “a mais um mandato de Presidente da República”, agora num quadro plenamente democrático, porque configurado e determinado por eleições directas, secretas, universais e competitivas.
Deste modo, a candidatura de Aristides Pereira pôs em crise as opções alinhavadas no Congresso de Julho de 1990 do PAICV, as quais previam uma relativa renovação da nomenclatura dirigente com a candidatura de Pedro Pires para Presidente da República e a de João Pereira Silva para Chefe do Governo.
Com a reviravolta de Aristides Pereira, alegadamente pressionado por algumas forças vivas das ilhas e diásporas e nas quais avultava a figura de um Henrique Teixeira de Sousa plenamente reconciliado com as opções progressistas e outras orientações fundamentais do regime de partido único depois do fracasso do projecto de união orgânica com a Guiné-Bissau, o PAICV apresentou como candidatos às eleições legislativas de Janeiro de 1991 e às presidenciais de Fevereiro do mesmo ano as mesmas personalidades que durante quinze anos foram os rostos e os responsáveis máximos pela condução dos destinos do país sob um regime socializante de partido único. Esses sinais não podiam ser mais aziagos num tempo em que era palpável a febre de mudança quer de modelo político-social quer dos titulares dos cargos governamentais e dos órgãos políticos de soberania.
Sinais aziagos, não obstante os esforços empreendidos pela liderança do PAICV no sentido do estabelecimento de um maior equilíbrio regional e geracional na distribuição de cargos governamentais, como se comprova com a nomeação de um número inusitado de originários da ilha de Santiago e de jovens quadros para o governo na derradeira remodelação promovida por Pedro Pires.

A candidatura de Aristides Pereira significou, outrossim, a segunda preterição de Pedro Pires para o cargo de Presidente da República de Cabo Verde. A primeira preterição ocorrera nas vésperas da proclamação da República de Cabo Verde quando Aristides Pereira decidira não aceitar o cargo de Presidente de uma República Unida da Guiné e Cabo Verde a ser criada imediatamente depois da independência de Cabo Verde, preferindo ser Presidente de Cabo Verde, cargo para o qual estava previsto Pedro Pires.

A abertura política de 19 de Fevereiro de 1990 encontra em estado de expectante ansiedade uma oposição que, apesar dos intermitentes sinais de crise do regime e dos seus conhecidos pergaminhos críticos e satíricos com a “situação pouco democrática das coisas”, mostrara-se politicamente conformada, acantonando-se, no interior do país, nos sectores administrativo e empresarial do Estado, e confinando-se, na sociedade civil, a esparsas vozes assumidamente discordantes e sonantes com particular ênfase no público manda-bocas, nas páginas do jornal oposicionista Terra Nova (dirigido pelo ex-simpatizante do PAIGC e, depois, contundente oposicionista do regime de partido único, o Frei António Fidalgo Barros), na clandestinidade dos panfletos nocturnos e das publicações trazidas das diásporas portuguesa, holandesa ou norte-americana (como, por exemplo, a folha Nação Cabo-Verdiana, da UCID, ou os textos pró-instauração de uma democracia plena elaborados pelos activistas dos CCPD).
Encorajada pelos cada vez mais evidentes sintomas de crise do regime bem como pelos seus sinais de abertura, emitidos especialmente por ocasião dos debates preparatórios do congresso de 1988 do PAICV ou consubstanciados na previsão da participação de grupos de cidadãos nas eleições autárquicas de 1991, algumas dessa vozes, barricadas em algumas associações cívicas ou instituições públicas, como o IPAJ (Instituto de Patrocínio e Assistência Judiciários), pronunciar-se-iam frontalmente nas antenas da Rádio Nacional e em outros espaços públicos contra o sistema mono partidário e os seus pressupostos político-ideológicos.

São essas vozes que, depois, passarão à ofensiva política, conquistando, num invulgarmente curto espaço de tempo, a maioria dos cabo-verdianos para o seu discurso “de competência e de mudança” direccionado primacialmente contra o “enquistamento” e o “aniquilamento” dos detentores do poder político no regime de partido único e o seu discurso político sumamente petrificado.

É assim que, dois meses depois da sua inauguração pela abertura política de 19 de Fevereiro de 1990, o processo de democratização do país conheceu uma inusitada aceleração, em especial a partir das primeiras aparições públicas dos rostos do MpD: a primeira na conferência de imprensa do Hotel Praia-Mar, celebrizada pela reiteração da exigência do “desmame” do partido único, desferida pela primeira vez por José António dos Reis, isto é, pelo fim da “parasitação” do Estado por parte do PAICV mediante o pagamento dos vencimentos dos funcionários desse partido e das organizações de massas suas satélites e a concessão às mesmas entidades de subsídios de diverso teor por parte do Estado; a segunda, na sequente sessão de esclarecimento do Centro Social Primeiro de Maio, presidida por Carlos Veiga, então presidente provisório do MPD, durante a qual se escutam as primeiras referências abertamente desassombradas aos alegados abusos e arbitrariedades da polícia política e as primeiras explicitações públicas das exigências políticas constantes da Declaração Política que, elaborada por um conjunto de menos de duas dezenas de fundadores e, depois, subscrita por mais de seiscentos cidadãos, serviria de ponto de partida para a constituição de um amplo e multifacetado “Movimento para a Democracia”.

Anote-se, entre parênteses, que, antes da abertura política de Fevereiro de 1990, a crise do regime de partido único ficara atestada, por exemplo, nos seguintes indícios: o acréscimo de panfletos e de críticas públicas contra os seus procedimentos e representantes, aliás, amiúde vituperados e caricaturados em papéis clandestinos; a reacção adoidado do mesmo regime face ao crime cometido contra Renato Cardoso, Secretário de Estado da Administração Pública, de grande visibilidade social e intelectual; a relativa estagnação e, até, a deterioração de alguns índices macroeconómicos em sinal do esgotamento da estratégia da construção tripolar de uma economia nacional independente, factualmente baseada na reciclagem da ajuda externa e na substituição das importações, etc.).

É neste contexto que, previstas para ocorrer somente no final da legislatura de cinco anos que, segundo o timing de abertura política delineado na Resolução de 19 de Fevereiro do Conselho Nacional do PAICV e em conformidade com os procedimentos eleitorais previstos na Constituição mono partidária de Setembro de 1980, se devia iniciar somente em Dezembro de 199O, as eleições legislativas e presidenciais foram calendarizadas respectivamente para Janeiro e Fevereiro de 1991.

É para tornar possível, num tão breve período e curto espaço de tempo, a realização dessas eleições, ferreamente reivindicada pela oposição emergente e formalmente negociada com o antigo partido único, que, dando seguimento às resoluções do Congresso de Julho do PAICV —o último realizado com este partido envergando as vestes formais de força política dirigente do Estado e da sociedade—, se procede à revisão da Constituição de Setembro de 1980.

Dessa revisão constitucional resultariam, como anteriormente referido, a revogação expressa da substância mono partidária e autoritária do muito famigerado e alvejado artigo quarto da Constituição de Setembro de 1980 e a sua substituição por normas que instituiriam um regime democrático pluripartidário, bem como uma forma de governo semi-presidencial. Como também aventado, é na sequência da revisão constitucional de Setembro de 1990 que a ANP adoptaria um novo sistema eleitoral, plenamente democrático porque propiciador de eleições competitivas, transparentes e pluripartidárias, aprovaria as leis sobre as liberdades de constituição de partidos políticos, de associação, de reunião, de manifestação e da greve e revogaria o artigo 50 da lei de imprensa de 1987 que excluía a invocação da prova da verdade dos factos como causa penal de justificação nas ofensas contra o Presidente da República.

No contexto das intensas disputas políticas, ideológicas, doutrinárias e Jurídico-Costitucional que precederam as eleições de 1991 e que se lhe seguiram, ganharam especial relevo tanto as opções do novo poder saído das eleições legislativas de 13 de Janeiro de 1991.

Depois da mudança política começou-se a criar novas disputas políticas. É assim que o decorrer e a serenidade dos tempos vieram propiciar a ampla (senão quase-unânime) aceitação popular dos novos símbolos nacionais, em especial da nova bandeira nacional, considerados não mais como instrumentos ideológicos da desafricanização político-cultural de Cabo Verde bem como do revanchismo simbólico e iconográfico proporcionado pelas passadas e retumbantes vitórias eleitorais do MpD contra o PAICV, mas como símbolos da identidade insular bem como da especificidade do percurso histórico e dos recursos materiais e espirituais do povo das ilhas de Cabo Verde.

Por seu lado, os antigo hino e bandeira nacionais parecem permanecer na memória de largas faixas das populações das ilhas e diásporas como símbolos da emancipação política da nação cabo-verdiana, oportunamente concretizada por força da sábia opção por “um destino africano, livremente escolhido” e do papel que personalidades como Amílcar Cabral e Abílio Duarte — presumíveis autores respectivamente da letra e da música do antigo hino— desempenharam na conquista dessa emancipação.

A natureza politicamente fechada do regime de partido único (de qualquer regime de partido único) e a escassa ou nula circulação política —na sociedade em geral e, até, entre as diferentes gerações do mesmo partido único— que ele propiciava, bem como o autoritarismo e a intolerância política e ideológica, consubstanciados no mono partidarismo e na ilegalização da oposição democrática ou de outra qualquer outra extracção partidária de dissidência política parecem ser os principais malefícios apontados ao sistema político vigente nas ilhas no período que decorreu entre a prisão, em Dezembro de 1974, por parte do MFA (Movimento das Forças Armadas) e dos seus aliados do PAIGC, de dirigentes e aderentes dos demais partidos, adversários da independência política das ilhas ou meros opositores do projecto da união orgânica entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau, e a abertura política, decidida pelo Conselho Nacional do PAICV e anunciada, a 19 de Fevereiro de 1990, por Pedro Pires, o homem forte do regime de partido único e, na altura, titular dos altos cargos de Secretário-Geral Adjunto do PAICV e Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde.
A segunda alternância democrática significou, em primeiro lugar, o regresso político de Pedro Pires, que, depois de uma primeira e surpreendente candidatura, considerada temerária até por muitos dos seus próprios correligionários, seria por duas vezes escrutinado em eleições presidenciais muito controvertidas e judicialmente contestadas —a primeira vez, escassamente à tangente e, a segunda vez, por pequena, mas convincente margem de votos recolhidos na diáspora cabo-verdiana—, mas sempre confirmadas no competente contencioso eleitoral.

Relembre-se que nas eleições presidenciais disputadas, em 2001 e 2006, Pedro Pires teve sempre Carlos Veiga, o líder histórico do MpD e primeiro-ministro de Cabo Verde, de 1991 a 2000, como adversário principal.

Sejam ressaltados, neste contexto, alguns aspectos, tais como:
1) A nula competitividade das eleições presidenciais de 1996, as quais tiveram como candidato único o Presidente em exercício, António Mascarenhas Monteiro, e ameaça principal a abstenção de um eleitorado já desabituado da opção entre o “sim” e o “não” dos tempos passados das listas únicas e mono partidárias.
Para muitos observadores, a candidatura única de Mascarenhas veio demonstrar de forma irrefutável o elevado grau de hegemonização política da sociedade cabo-verdiana por parte do MPD, depois de duas sucessivas maiorias qualificadas.

2) Em contraste com as eleições presidenciais de 1996, o elevado grau de competição das eleições de 2001.

Cinco candidatos, designadamente Pedro Pires, Carlos Veiga, Jorge Carlos Fonseca, David Hopffer Almada e Onésimo Silveira (desistente logo na primeira volta) participaram nestas últimas eleições.

O elevado grau de competitividade das eleições presidenciais reflectiu, outrossim, igual grau de competitividade das antecedentes eleições legislativas, nas quais participaram o MpD, o PAICV, o PRD bem como a coligação política formada pelo PCD, pelo PTS e pela UCID.

Não obstante o elevado grau de competitividade dessas eleições, prevaleceu o voto útil induzido pela flagrante bipolarização política entre o MPD e o PAICV e entre os candidatos presidenciais apoiados por essas duas forças políticas maiores no espectro político caboverdiano.

Como referido, a bipolarização política entre o PAICV e o MpD tem marcado a vida política cabo-verdiana, desde a abertura e a democratização políticas de 1990/1991. Expressões típicas dessa bipolarização política foram as eleições presidenciais de 1991 bem como as de 2001 e 2006, acima referenciadas.

Relembre-se que nas eleições presidenciais de 1991, muito marcantes da primeira alternância democrática, o candidato apoiado pelo PAICV, o então Presidente da República de Cabo Verde por mais de quinze anos e figura marcante (e carismática) do movimento africano de libertação nacional, Aristides Pereira, foi derrotado por muito expressiva margem pelo candidato apoiado pelo MpD, o antigo e prestigiado Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde e ex-dissidente do PAIGC, António Mascarenhas Monteiro.
Para além de ter provocado a ressurreição política e eleitoral de Pedro Pires, líder do PAICV durante o período final da transição democrática e parte da travessia do deserto a que esse partido foi sujeito de Janeiro de 1991 a Janeiro de 2001, a segunda alternância democrática de 2001 — renovada, como referido, em Janeiro de 2006— tornou-se sumamente relevante por, pelo menos, duas ordens fundamentais de razões:

i) Marcou a ascensão à governação do país de uma nova e jovem geração política do PAICV, liderada por José Maria Neves, último Secretário-Geral da JAAC-CV (Juventude Africana Amílcar Cabral – Cabo Verde), a antiga organização juvenil do PAICV, auto dissolvida depois da abertura da abertura política de 1990 e muito temporariamente transmudada em UJSD (União da Juventude Social-Democrata). É essa geração que, sentindo-se parcialmente obstruída nas suas ambições político-partidárias, quer devido à deficiente e insuficiente circulação política inter-geracional durante o período de partido único quer em razão da potencial ameaça que representaria a emergência de uma oposição anti-paicvista num quadro político democrático aberto a todos os possíveis postulantes, foi inicialmente avessa ou, pelo menos, reticente em relação à abertura politica de Fevereiro de 1990, então considerada prematura e/ou descontrolada porque ainda não interiorizada pelas bases do PAICV, como, por outros motivos, reclamava Abílio Duarte, tornado dissidente depois da expressiva derrota eleitoral do PAICV em 1991. É essa mesma geração que, depois calejada, enquanto oposição parlamentar, numa longa, desgastante e muito produtiva travessia de deserto, a que não faltaram graves acusações por parte do partido no poder —como, por exemplo, a alegada participação na profanação de ícones religiosos católicos— interioriza e dissemina os valores do socialismo democrático propagados pela Internacional Socialista, questiona a liderança das antigas gerações do PAICV, enceta a reforma e a superação da imagem passadista e autoritária colada a um partido ainda muito marcado pelo carisma patriótico, paternalista e austero de Pedro Pires, vence as eleições autárquicas de 2000 e empreende o seu regresso ao poder com um discurso que alia o nacionalismo cabraliano e a retórica anti-corrupção com os valores de um Estado social e democrático de Direito, aliás, devidamente plasmados na Constituição de 1992 e também impregnados nos ante-projectos de Constituição e de revisão constitucional que serviram de base de argumentação ao grupo parlamentar do PAICV, durante os debates constitucionais de 1992 e 1999.

ii) Assinalou a crescente consolidação do sistema democrático caboverdiano e das suas instituições. Constituem indícios seguros dessa crescente consolidação:

a) Uma alargada consensualização social em torno tanto da irreversibilidade das mudanças políticas, económico-sociais e, em parte, simbólicas encetadas a partir de Fevereiro de 1990 e aprofundadas nos anos noventa do século XX e nos primeiros anos da primeira década do presente século, como se verificou nos casos das mudanças dos símbolos nacionais, dos paradigmas político-ideológicos e dos modelos de sociedade em face da premência dos grandes desafios de desenvolvimento colocados à nação cabo-verdiana. A acima referida consensualização alicerça-se, em grande medida, numa prática política que tenta erradicar da sociedade cabo-verdiana a retórica persecutória e a mentalidade de diabolização da oposição, características dos períodos anteriores, incluindo os pluripartidários.

b) A disseminação de uma cultura democrática, doravante incorporada na sua substância pela sociedade civil e pelos actores políticos e partidários.

c) O aperfeiçoamento dos procedimentos normativos e das instituições de fiscalização da genuína expressão eleitoral da vontade popular.

Por outro lado, as políticas de reconciliação com as elites claridosas e neo-claridosas, iniciadas ainda durante o período de partido único com o Simpósio Internacional sobre a Literatura e a Cultura Cabo-Verdianas (mais conhecido por Simpósio Claridade), de Novembro de 1986, vêm sendo prosseguidas e alargadas ao âmbito político e económico dos acontecimentos do pós-25 de Abril de 1974 e do pós-13 de Janeiro de 1991, eventualmente ressentidos como dolorosos por uma parte da sociedade cabo-verdiana, que se sente historicamente vitimizada.

É, assim, que, no ano de 2006, após acesos e ferinos debates parlamentares e mediáticos entre os antigos protagonistas dos eventos acima referenciados, a maioria então vinculada ao radicalismo político e justiceiro de algumas correntes esquerdistas do PAIGC-CV, foram devidamente aprovadas pela Assembleia Nacional as chamadas leis de reconciliação nacional.

As mesmas leis tiveram como intuito expresso a reintegração nas respectivas carreiras técnicas e administrativas dos saneados do pós-25 de Abril de 1974, do pós-5 de Julho de 1975 e do pós-13 de Janeiro de 1991 bem como a reposição dos direitos de propriedade (ou das respectivas indemnizações na impossibilidade da reposição dos referidos direitos) das alegadas vítimas dos confiscos e das nacionalizações dos tempos revolucionários de outrora.

Apesar de reconhecer os ganhos que a Democracia tem trazido ao nosso País, nunca Cabo Verde esteve sob o tacão de ameaças tão reais à sua VIVÊNCIA DEMOCRÁTICA.

A ambição do PAICV de continuar no poder é tão grande e desmedido, que tudo valerá para conquistar a sua manutenção.

Daí a necessidade de construirmos instrumentos contra-hegemônicos, pautando numa luta sem tréguas ao domínio do PAICV da população Cabo-verdiana salvando a conquista democrática do nosso País.

Tenho o hábito de dizer que a Democracia é uma flor como a papoila: persistente mas frágil! Renasce sempre, mesmo nos terrenos mais rochosos e inóspitos, mas também uma vez colhida e acomodada, murcha e morre rapidamente. Estamos em risco de viver esta última fase. Ainda vamos a tempo de a evitar se soubermos TODOS reagir.

Os alertas repetitivamente lançados nos últimos tempos, pelos Partidos da oposição, devem ser entendidos como verdadeiros gritos de alarme sobre o estado da nossa sociedade.

Estamos todos cientes que as crises que vivemos (financeira, económica, institucional, partidária e de valores) podem fazer ruir, mais rápido do que os incautos e irresponsáveis pensam, o sistema democrático. Não tenhamos medo de o afirmar. Cabo Verde precisa de uma nova viragem política neste momento para o bem da futura geração.

O que eu sei, e assim penso e escrevo há alguns anos, é que chegou o momento das grandes opções de fundo e que os problemas globais que enfrentamos exigem uma governação global com ética, autoridade, bom senso e humanidade.



A crise em curso, associada a um desprestígio e descrédito profundos das instituições (sistemas financeiros dos governos, partidos políticos, Justiça…), minando profundamente os fundamentos dos estados de direito, pode dar a oportunidade novamente ao Partido totalitário que tanto mal fez a Cabo Verde.

Os efeitos do aprofundamento da pobreza e do desemprego, quanto a mim a procissão só vai no adro, já começaram e fazem temer o pior: discursos políticos egoístas, mesmo no Parlamento, violam impunemente a nossa Constituição.

Perante estes factos temos que reagir todos em força e imediatamente.
Em homenagem à Democracia fica aqui transcrita a Declaração política do MPD:
DECLARAÇÃO POLÍTICA DO MpD DE 14 DE MARÇO DE 1990
Na sequência das reflexões que, de há já algum tempo a esta parte, temos vindo a fazer, achamos por bem dar a conhecer à sociedade cabo-verdiana a nossa posição sobre o momento político actual. Trata-se, para nós, enquanto MOVIMENTO PARA A DEMOCRACIA, de assumir a nossa responsabilidade no processo de democratização e de desenvolvimento do país. Ao assumir esta responsabilidade, DECLARAMOS: 1. A radicalização das transformações políticas que marcaram o fim da década passada resultou, de um lado, da evolução do pensamento político contemporâneo e, de outro, do fracasso generalizado dos sistemas políticos de partido único. 2. Em Cabo Verde, contrariamente às afirmações do PAICV, o descontentamento generalizado, a evolução do pensamento político cabo-verdiano e as pressões internas, aliados a um contexto internacional cada vez mais hostil aos regimes mono partidários, revelaram-se decisivos para forçar a mão à actual direcção do país, levando-a, em consequência, a admitir o princípio do pluralismo político em moldes que ainda carecem de uma profunda reflexão. 3. Uma nova etapa está em vias de se inaugurar no nosso país rumo à construção de um regime democrático e pluralista. Com efeito, não se trata do aprofundamento do sistema político actual, mas, pura e simplesmente, da sua substituição dado que se tornou contraproducente e historicamente ultrapassado. Portanto, contrariamente às insistentes afirmações do PAICV, a democracia em Cabo Verde tem de ser CONSTRUÍDA e não aperfeiçoada porque, de facto, nunca existiu entre nós. 4. A democracia pressupõe igualdade de todos os cidadãos. Nessa base, para que as próximas eleições legislativas sejam democráticas é indispensável que a sociedade se dote, DESDE JÁ, de mecanismos institucionais e legais que permitam a LIVRE EXPRESSÃO das diversas correntes e /ou de plataformas políticas em pé de igualdade. 5. O PAICV, com o objectivo de perpetuar o seu poder, pretende impor à sociedade civil um processo de mudanças a conta-gotas e num horizonte temporal que lhe permite ganhar tempo para preservar as bases sobre que assenta o seu poder. De igual modo, pretende seduzir a sociedade, introduzindo a figura de “Grupos de Cidadãos”, o que, na actual conjuntura, constitui uma armadilha para fragmentar as forças políticas de oposição. 6. A figura de “Grupos de Cidadãos”, para além de dividir as forças que se opõem ao PAICV, tira toda a chance à sociedade civil de se organizar em partidos políticos que concorram às eleições legislativas com programas verdadeiramente alternativos e dirigidos a toda Nação cabo-verdiana. 7. Nas condições pretendidas pelo PAICV, as próximas eleições legislativas realizar-se-ão em bases anti-democráticas, dado que só ao PAICV será permitido concorrer com um projecto de sociedade e um programa de governo. Em contrapartida, “Grupos de Cidadãos” confinar-se-ão aos limites geográficos dos círculos eleitorais, sem expressão nacional. 8. Adoptamos como móbil e fundamento da nossa prática política, a defesa intransigente da Liberdade, Democracia, Justiça Social e uma opção de desenvolvimento que elimine os desequilíbrios regionais, diminua o fosso existente entre ricos e pobres e promova o bem-estar crescente das largas massas populares do país, em particular, e da Nação, em geral. 9. Defendemos que o desenvolvimento económico seja um factor da Unidade Nacional, porquanto deverá realizar-se nos planos nacional, regional e local, valorizando assim todas as potencialidades de cada uma das ilhas que constitui o nosso país. Este tipo de desenvolvimento implica a desconcentração de poderes, a descentralização de meios e a institucionalização de um Poder Local autêntico, autónomo e democrático, fazendo das autarquias locais os principais promotores e dinamizadores do desenvolvimento local e regional. 10. Ao garantir o controlo efectivo por parte dos cidadãos sobre a direcção e as instituições do país, bem como a independência dos jornalistas e a isenção dos órgãos estatais da comunicação social, lutaremos contra o nepotismo, a corrupção e o uso indevido dos bens públicos que tem sido a prática corrente ao longo destes anos, enquanto produtos do sistema mono partidário instituído pelo PAICV. 11. Preconizamos uma revisão constitucional que consagre o sistema democrático e pluralista, devendo prever nomeadamente: a) a separação efectiva dos poderes legislativo, executivo e judicial; b) a eleição do Presidente da República por sufrágio, directo, secreto e universal; c) a limitação do mandato do Presidente da República; d) a incompatibilidade entre as funções de ministro e de deputados; e) a criação de um Tribunal Constitucional; f) a garantia de condições para a efectiva independência da Justiça; g) o princípio da existência de partidos políticos; h) as bases do estatuto da oposição; i) um sistema eleitoral assente no princípio da representatividade e da proporcionalidade de votos como a única expressão de legitimidade democrática; j) a autonomia dos órgãos estatais da comunicação social, subtraindo-os da ingerência do Executivo e dos Partidos Políticos. 12. A democracia que defendemos é incompatível com a existência da polícia política e de forças armadas partidarizadas. 13. Contrariamente ao PAICV, somos pela liberdade sindical, pelo direito a greve e pela criação de um Movimento Sindical forte, democrático e pluralista. 14. Uma real integração dos emigrantes no processo da democratização da nossa sociedade e do desenvolvimento económico do país extravasa, na nossa perspectiva política, a simples operação de transferência de divisas. Defendemos a participação activa e criadora dos emigrantes e a valorização de todo o capital científico e tecnológico ganho na emigração, de forma a reduzir, gradualmente, a dependência do país da assistência técnica internacional. No quadro da Lei Eleitoral a criar defendemos a institucionalização de círculos eleitorais para emigração. 15. Defendemos uma política da juventude capaz de restituir aos jovens deste país o direito a esperança e garantir a sua participação efectiva no processo de democratização da nossa sociedade. 16. Numa perspectiva mais imediata, a participação efectiva dos cidadãos através das suas organizações políticas implica a revisão do n°2 do Artigo 1° da Lei N°28/III/87 (sobre as Associações) a fim de permitir, desde já, que os cidadãos exerçam actividades políticas, visando, entre outras, a preparação para as próximas eleições legislativas à semelhança do que vem fazendo, no dia-a-dia, o PAICV, a JAAC-CV, a OMCV e UNTC-CS. 17. Aceitando e defendendo os princípios e as regras de jogo democráticos, denunciamos e combatemos o processo de reformas segundo as conveniências do PAICV. Todavia, não reclamamos qualquer tratamento de favor, mas apenas a garantia efectiva de podermos exercer os nossos direitos políticos em plena liberdade e em pé de igualdade com o PAICV e as suas organizações satélites (JAAC- CV, OMCV e a UNTC-CS). 18. Em alternativa ao regime de partido único instituído pelo PAICV, estamos abertos ao diálogo e à colaboração com todos os sectores democráticos, progressistas e patriotas da Nação empenhados na construção de um regime democrático e pluralista, com vista ao PROGRESSO E BEM-ES-TAR DE TODO 0 POVO CABO-VERDIANO. Praia, aos catorze dias do mês de Março de mil novecentos e noventa.

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